A
fase aguda da pandemia da covid-19 afetou os pacientes com câncer de
próstata, que não podiam parar o tratamento, mas precisavam continuar se
cuidando para evitar a contaminação pelo coronavírus. Uma das medidas
implantadas com o objetivo diminuir o risco de transmissão da covid-19,
foi a redução no número de sessões de radioterapia para o tratamento.

O número de sessões foi reduzido de 39 para
20 aplicações. A experiência foi tão bem-sucedida que passou a ser
adotada como rotina no pós-pandemia. Ao lado de exames e tratamentos
sofisticados, essa é uma das novidades do combate ao câncer de próstata,
que ganha destaque durante a campanha do Novembro Azul, que segue até o
próximo dia 30.
No entanto, a redução se aplica a
determinados pacientes, que apresentam características específicas.
“Quando o paciente não apresenta risco de complicação, o tempo de
tratamento por radioterapia pode ser mais curto, com cinco sessões com
maior intensidade de radiação”, esclarece a médica Mariana Bruno
Siqueira, oncologista da Oncologia D’Or, com foco em uro-oncologia.
O que impede a redução de sessões, explica a
médica, é o tamanho da próstata e a distância entre a próstata e o
reto, que é a parte final do intestino. “As complicações que a temos
mais receio são diarreia e eventualmente sangramento nas fezes. É uma
decisão do médico radioterapeuta, baseado nos dados da anatomia do
paciente, para definir se tem segurança de fazer em menos tempo com
maior dose. Então é uma decisão para cada paciente e em conjunto com
radiooncologista, que é quem vai planejar o tratamento”.
Essa é uma tendência que começou antes da
pandemia da covid19, e foi intensificada e adotada de forma mais ampla e
disseminada no Brasil para vários tipos de neoplasias com a chegada da
pandemia, disse o presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia
(SBRT), Marcus Simões Castilho, médico radioterapeuta.
“A redução de tempo de tratamento de
radioterapia é conhecida como hipofracionamento e é uma tendência em
diversas patologias. Em próstata, já existe um corpo de evidência
científica consolidada. Fundamental pontuar que doses maiores pressupõe
maior controle de entrega e consequentemente tecnologia. Isso é uma
limitação no Brasil uma vez que somente um terço dos equipamentos têm
radioterapia guiada por imagem, fundamental no hipofracionamento do
câncer de próstata”, explica o médico.
A SBRT realizou um Consenso de
Hipofracionamento na Radioterapia no Câncer de Próstata em setembro de
2019, antes da pandemia, e publicou esse material na Revista da Associação Médica Brasileira em janeiro de 2021.
A estratégia já é consolidada para
hipofracionamento moderado entre 20 e 28 frações, reduzindo o tratamento
de 7 a 8 semanas para 4 a 6 semanas. “Estratégias de tratamentos em
somente uma semana estão sendo adotadas, porém muito dependentes de alta
tecnologia”, disse Castilho.
A radioterapia é uma modalidade terapêutica
importante no cuidado das neoplasias tanto em condições malignas quanto
benignas, em condições radicais e também paliativas. “Estima-se que
cerca de 60% dos pacientes oncológicos irão receber radioterapia em
algum momento do curso do seu tratamento”, disse a SBRT.
Além dos estudos para o hipofracionamento no
tratamento de câncer de próstata, já existiam estudos garantindo a
segurança para algumas situações, como, por exemplo, para pacientes com
tumores de mama iniciais.
“Mas existiam algumas situações, como para
pacientes com câncer de mama mais avançados, onde a adoção do
hipofracionamento ainda não era consensual. Com a chegada da pandemia, o
encurtamento do tratamento foi ampliado para todos os pacientes. Logo
em seguida, estudos foram publicados comprovando que, realmente, todas
as pacientes podiam encurtar o tratamento”, disse Castilho.
Hipofracionamento
O hipofracionamento se aplica a casos em que
estudos de nível I de evidência, os mais confiáveis, confirmaram que o
tratamento mais curto é igualmente eficaz e seguro para os pacientes,
“incluindo próstata, pulmão, mama, reto, tratamentos paliativos de
metástases ósseas, entre outros”, disse o presidente da SBRT.
A orientação sobre o hipofracionamento é a
mesma para a rede pública. “Porém, em muitos casos, como para pacientes
de próstata e pulmão, o hipofracionamento requer tecnologias mais
avançadas, que geralmente não estão disponíveis para os pacientes do
SUS, pelo déficit de financiamento do setor”, disse Castilho.
Como existe dependência de tecnologia para
garantia que as doses mais elevadas estão atingindo somente a próstata, a
limitação da estratégia é o uso em equipamentos que disponham de IGRT
(radioterapia guiada por imagem). Segundo a entidade, cerca de um terço
das máquinas no país têm a tecnologia e algumas delas estão na rede
pública.
Além de melhorar a qualidade de vida do paciente, a estratégia de encurtamento amplia a oferta de vagas da radioterapia. O último censo disponível,
segundo a entidade, mostra que somente 50% das máquinas necessárias
para tratamento estão disponíveis, a maioria delas com mais de 10 anos
de funcionamento e distribuídas de forma desigual pelo país.
O levantamento é baseado no estudo Análise das necessidades e custos globais de radioterapia por região geográfica e nível de renda.
De acordo com o presidente do Conselho
Superior da SBRT, Arthur Accioly Rosa, o cálculo de necessidade de
máquinas é complexo. “Envolve fatores como distribuição epidemiológica
dos casos, disponibilidade geográfica, diagnóstico - muitos pacientes
morrem sem diagnóstico de câncer - ocupação das máquinas com
hipofracionamento, dentre outros. A saúde suplementar tem atendido sua
demanda aparentemente sem limitações. Nos cálculos de novos casos de
câncer, usando a proporção de 52% de uso de radiação e mensurando o
número de tratamentos no SUS, projetam-se mais de 100 mil casos que não
foram irradiados em 2020. Não quer dizer que não receberam tratamentos
como quimioterapia, por exemplo, mas é um dado que documenta a
dificuldade de acesso”.
Na avaliação da SBRT, esquemas de
radioterapia mais convenientes para os pacientes e igualmente efetivos
devem ser estimulados, já que trazem benefícios clínicos, logísticos e
financeiros.
A SBRT disse que tem feito vários esforços e
adotado estratégias específicas para disseminar a prática do
hipofracionamento no Brasil, principalmente para os pacientes do SUS.
“Porém, a plena adoção do hipofracionamento no SUS depende do avanço do
investimento em radioterapia, principalmente via recomposição da tabela
do SUS, extremamente defasada, o que permitirá que os mais diversos
serviços ao redor do país possam executar não só tratamentos mais
curtos, como de maior qualidade, para todos os brasileiros”, explica o
presidente da SBRT.
Prevenção
A próstata é uma glândula que só o homem tem
e que produz parte do sêmen. Ela se localiza na frente do reto, abaixo
da bexiga, envolvendo a parte superior da uretra. De acordo com o
Instituto Nacional de Câncer (Inca), nos homens o câncer de próstata é o segundo mais comum, ficando atrás apenas do câncer de pele.
Os fatores de risco são a idade avançada, a
partir dos 50 anos, e o histórico familiar. Os negros constituem um
grupo de risco para o câncer de próstata. A alimentação saudável, o peso
corporal adequado e a prática da atividade física ajudam a reduzir a
incidência desse e outros tipos de câncer.
A maioria dos tumores na próstata cresce de
forma lenta, não chegando a dar sinais ao longo da vida. Uma minoria
cresce de maneira acelerada, espalha-se para outros órgãos (metástase) e
pode levar à morte. Os sintomas iniciais são dificuldade para urinar,
demora em começar e terminar em urinar, sangue na urina, diminuição do
jato da urina e necessidade urinar várias vezes à noite.
O diagnóstico precoce aumenta as chances de
sucesso do tratamento. Por isso, os homens com 50 anos de idade ou mais
devem ir uma vez por ano ao urologista para o toque retal e o exame de
sangue que identifica o antígeno prostático específico (PSA).
“Os homens com histórico familiar de câncer
de próstata, e os negros, que têm maior incidência deste tipo de câncer,
devem iniciar as consultas anuais aos 45 anos de idade”, recomenda a
médica Rafaela Pozzobon, oncologista da Oncologia D’Or com foco em
uro-oncologia.
Tratamento
Entre os exames mais recentes para detecção
do câncer de próstata está o PET-CT PSMA, que une a tomografia por
emissão de pósitrons (PET) e a tomografia computadorizada (CT). O
procedimento com PSMA (sigla do inglês para Antígeno de Membrana
Específico para Próstata) consegue detectar mais de 90% dos casos de
metástase desse tipo de câncer, permitindo um diagnóstico mais assertivo
e um tratamento melhor direcionado.
“Quando a doença está restrita à próstata, o
paciente é submetido à cirurgia ou radioterapia. Em caso de metástase, o
tratamento é feito com hormonioterapia ou quimioterapia”, explica a
médica Mariana Bruno Siqueira.
Para pacientes com câncer de próstata
metastático, o tratamento mais recente é o PSMA-Lutécio 177, que foi
destaque do Congresso Americano de Oncologia (Asco) de 2021. O lutécio é
uma substância radioativa que, assim como um míssil teleguiado, é
levado às células com PSMA, uma molécula que apresenta a expressão
aumentada na superfície das células cancerígenas.
A substância radioativa danifica o DNA da
célula e provoca sua morte. O tratamento demanda quatro a seis
aplicações, sendo que a quimioterapia são no mínimo seis aplicações. Por
ser direcionado às células cancerígenas, é melhor tolerado que a
quimioterapia, dizem os especialistas.
“O PSMA-Lutécio 177 é uma partícula
radioativa que vai ser introduzido no paciente pelo sangue. Então a
partícula vai caminhando pelo sangue e chega aonde o câncer está, vai
achar o câncer porque ele é ligado a um marcador do PSA. A partícula vai
achar essas células, e pela radiação, que é carregada por esse PSMA,
que é um marcador que vai achar a célula do câncer, ou seja, a célula
que produz o PSA, para matar essa célula. Então ele vai, carrega essa
radiação até a célula maligna, e uma vez que ela chega lá na célula, a
radiação vai quebrar a fita de DNA e vai matar a célula do câncer. A
radiação é pela circulação sanguínea”, explica a médica Rafaela
Pozzobon.
O exame PET-CT PSMA e o tratamento PSMA-Lutécio 177 ainda não estão disponíveis pelo SUS.
Mutação
Nos últimos anos, os cientistas descobriram
que o câncer de próstata, assim como o de mama, ovário e pâncreas, pode
ter relação com a mutação do gene BRCA 1 e 2. “Entre 5% e 10% dos
pacientes com câncer de próstata podem ter uma origem hereditária da
doença, principalmente por causa da mutação genética no BRCA 2”, disse a
médica Mariana Bruno Siqueira.
Em razão dessa descoberta, os médicos
recomendam que homens que tiveram câncer de próstata mais agressivos ou
com metástases, devam realizar testes a fim de detectar uma possível
mutação do BRCA.
Em caso positivo, seus familiares podem ser
aconselhados a realizar o exame também, além de adotar medidas
preventivas e fazer exames periódicos para o diagnóstico precoce da
doença. Existem ainda medicações específicas para os homens com a
mutação do BRCA, que são usadas para controlar o câncer em cenários
metastáticos.