O tipo de empréstimo firmado entre os bancos
e Lojas Americanas gerou uma briga que pode atrapalhar a recuperação
judicial da companhia. Desde a descoberta do rombo contábil, as
instituições financeiras, que concentram de 65% a 70% dos créditos da
varejista, passaram a 
ter 
uma postura agressiva em relação à empresa.
Alguns bancos conseguiram liminares com o bloqueio de valores
do grupo retido em bancos, mas parte do montante foi liberado pela
Justiça. Na semana passada, o trio de bilionários que controlava a
companhia propôs um aporte de R$ 7 bilhões, mas os bancos recusaram e pediram um valor maior. 

Segundo o advogado e jurista Renato Scardoa,
que lidera um grupo de médios fornecedores das Lojas Americanas e
participou do grupo que redigiu a Nova Lei de Falências, a origem da
briga dos bancos com as Lojas Americanas está no tipo de contrato de
empréstimo. As cláusulas estabeleciam o vencimento antecipado em caso de
mudanças bruscas na situação financeira das Americanas.
“Quando as Lojas Americanas divulgaram o
fato contábil, os contratos venceram, e os bancos foram todos em cima do
que havia ainda de saldo nas contas-corrente da empresa. O grupo tinha
números consistentes, mas, em razão das fraudes no balanço, toda a
dívida que estava equacionada venceu antecipadamente”, explica.
O advogado e mestre em direito empresarial e
cidadania Alcides Wilhelm, com atuação em reestruturação de negócios,
fusões e aquisições e direito tributário, diz que as “inconsistências
contábeis” que resultaram na descoberta do rombo nas Lojas Americanas
botou os credores em lados opostos, com os bancos aproveitando a
antecipação dos vencimentos dos empréstimos para travar a recuperação
judicial e avançarem, o mais rápido possível, sobre o saldo nas
contas-correntes da empresa.
“Os bancos concentram de 65% a 70% dos
créditos. Pouco antes de as Lojas Americanas divulgarem o fato contábil,
a companhia tomou crédito junto a essas instituições e fez caixa. Os
bancos se sentiram traídos e agora brigam para que haja a quebra da
empresa. Se os principais acionistas não colocarem um valor
significativo de dinheiro ali dentro, a recuperação será improvável
porque os bancos votarão contra na assembleia de credores”, justifica
Wilhelm.
Principais prejudicados
Os principais prejudicados, diz Scardoa, são
os fornecedores e os funcionários, principalmente os de menor porte,
que ficaram sem caixa pelos próximos seis meses. “As Lojas Americanas
pagavam num fluxo de 180 dias. Essas empresas trabalhavam para receberem
daqui a seis meses. E agora esse estoque de seis meses se sujeita a uma
recuperação judicial. Os grandes fornecedores pelo menos têm uma
estrutura de capital que suporta esse tipo de situação. Existe todo um
ecossistema ameaçado”, diz.
Em relação aos funcionários, Wilheim
ressalta que as Lojas Americanas têm uma função social, sendo um grupo
grande demais para falir. “O Grupo Americanas, entre trabalhadores
diretos e indiretos, envolve 100 mil pessoas. Por ano, vinha recolhendo
R$ 2 bilhões em tributos. A empresa tem uma função social muito
importante, que tem que ser preservada. Para isso, serve a recuperação
judicial”, explica.
Estratégia
Apesar da atuação recente dos bancos,
Scardoa discorda de que as instituições financeiras estejam contrárias à
recuperação judicial. Ele interpreta os pedidos de liminar para
bloquear bens das Americanas como uma forma de pressionar o trio de
bilionários que controlava a companhia até 2021, Jorge Paulo Lemann,
Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, a injetar dinheiro na empresa.
“No aspecto econômico, acho difícil que os
bancos não busquem uma solução negocial para a recuperação da empresa.
Porque, em caso de falência, esses bancos não vão levar nada. Um plano
[de recuperação judicial] agressivo é melhor do que se a empresa
quebrar. A recusa de um plano não parece ser a melhor alternativa [para
os bancos]”, argumenta.
Precedentes
Controladores das Lojas Americanas por quase
40 anos, os bilionários Lemann, Telles e Sicupira tornaram-se sócios da
companhia em 1983. Em 2021, saíram do controle, reduzindo a
participação nas ações de 53,3% para 29,2%, mas ainda são considerados
os acionistas de referência. Ao longo dos últimos anos, eles acumulam
polêmicas em gestões de empresas compradas por eles, não apenas no
Brasil.
Em 2015, a América Latina Logística (ALL),
companhia criada com base na compra de ferrovias privatizadas, teve de
retificar os balanços de 2013 e 2014 após ser vendida para a Cosan. A
nova controladora detectou inconsistências contábeis que elevavam o
Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da
companhia.
Em 2021, a Kraft Heinz, gigante alimentícia
norte-americana com participação dos bilionários, foi multada em US$ 62
milhões pela Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do
mercado financeiro nos Estados Unidos. O acordo veio após dois anos de
investigação da SEC por erros contábeis em compras que mascaravam o
custo com fornecedores e inflaram o Ebtida. A Kraft Heinz teve de
republicar o balanço com uma baixa contábil de US$ 15,4 bilhões.
Apesar dos precedentes em relação a outras
companhias e das suspeitas de fraudes nas Lojas Americanas, Scardoa diz
que as informações disponíveis até agora não permitem apontar o trio de
bilionários como culpado. “Quem olha de fora pergunta por que esses
caras [os ex-controladores] não põem o [dinheiro] deles na empresa se
teve fraude. Porque o patrimônio deles e da empresa são distintos. Para
nós e para a economia é bom que seja assim, é bom que haja essa
segregação, salvo nos casos em que haja envolvimento direto na fraude”,
pondera.Post: G. Gomes
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Informações: ebc