A
invasão da Ucrânia por tropas russas pode produzir impactos econômicos a
mais de 10 mil quilômetros de distância. O Brasil pode sentir os
efeitos do conflito por meio de pelo menos três canais: combustíveis,
alimentos e câmbio. A instabilidade no Leste europeu pode não apenas
impactar a inflação como pode resultar em aumentos adicionais nos juros,
comprometendo o crescimento econômico para este ano ao reduzir o espaço
para a melhoria dos preços e do consumo.

Segundo a pesquisa Sondagem da América
Latina, divulgada nesta semana pela Fundação Getulio Vargas (FGV), as
turbulências na Ucrânia devem agravar as incertezas que pairam sobre a
economia global nos últimos meses. No Brasil, os impactos deverão ser
ainda mais intensos. Uma das razões é a exposição maior aos fluxos
financeiros globais que o restante da América Latina, com o dólar
subindo e a bolsa caindo mais que na média do continente.
A própria pesquisa, que ouviu 160
especialistas em 15 países, constatou a deterioração do clima econômico.
Na média da América Latina, o Índice de Clima Econômico caiu 1,6 ponto
entre o quarto trimestre de 2021 e o primeiro trimestre deste ano, de
80,6 para 79 pontos. No Brasil, o indicador recuou 2,8 pontos, de 63,4
para 60,6 pontos, e apresentou a menor pontuação entre os países
pesquisados.
Grande parte da queda atual deve-se ao
Índice de Situação Atual, um dos componentes do indicador, que reflete o
acirramento das tensões internacionais e o encarecimento do petróleo no
início de 2022. O outro componente, o Índice de Expectativas, continuou
crescendo, tanto no continente como no Brasil, mas a própria FGV
adverte que o indicador que projeta o futuro também pode deteriorar-se
caso o conflito entre Rússia e Ucrânia se prolongue.
Canais
Segundo a FGV, existem diversos canais pelos
quais a crise entre Rússia e Ucrânia pode chegar à economia brasileira.
O principal é o preço internacional do petróleo, cujo barril do tipo
Brent encerrou a semana em US$ 105, no maior nível desde 2014. O mesmo
ocorre com o gás natural, produto do qual a Rússia é a maior produtora
global, cujo BTU, tipo de medida de energia, pode chegar a US$ 30,
segundo disse nesta semana em entrevista coletiva o diretor de Refino e
Gás Natural da Petrobras, Rodrigo Costa.
O Brasil usa o gás natural para
abastecimento das termelétricas. Para o diretor da estatal, a
perspectiva é que a elevação dos reservatórios das usinas hidrelétricas
no início do ano possa compensar, pelo menos nesta fase de início de
conflito.
Em relação à gasolina, a recuperação da
safra de cana-de-açúcar está reduzindo o preço do álcool anidro, o que
também ajuda a segurar a pressão do barril de petróleo num primeiro
momento. Desde novembro do ano passado, o litro do etanol anidro acumula
queda de 24,6% em São Paulo, segundo o Centro de Estudos Avançados em
Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo.
As maiores pressões sobre combustíveis estão
ocorrendo sobre o diesel, que não tem a adição de etanol e subiu 3,78%
em janeiro, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15
(IPCA-15), que funciona como prévia da inflação oficial.
Alimentos
Outro canal pelo qual a guerra no Leste
europeu pode afetar a economia brasileira são os alimentos. A Rússia é a
maior produtora mundial de trigo. A Ucrânia ocupa a quarta posição.
Nesse caso, o Brasil não pode contar com outros mercados porque a seca
na Argentina, tradicionalmente maior exportador do grão para o Brasil,
está comprometendo a safra local.
A crise no mercado de petróleo também
pressiona os alimentos. Isso porque a Rússia é o maior produtor mundial
de fertilizantes, que também são afetados pelo petróleo mais caro.
Atualmente, o Brasil compra 20% dos fertilizantes do mercado russo. O
aumento do diesel também interfere indiretamente no preço da comida, ao
ser repassado por meio de fretes mais caros.
Dólar e juros
O terceiro fator pelo qual a crise entre
Rússia e Ucrânia pode impactar a economia brasileira será por meio do
câmbio. O dólar, que chegou a atingir R$ 5 na quarta-feira (23), fechou a
sexta-feira (25) a R$ 5,15 após a ocupação de cidades ucranianas por
tropas russas. Por enquanto, os efeitos no câmbio são relativamente
pequenos porque o Brasil se beneficiou de uma queda de quase 10% da
moeda norte-americana no acumulado de 2022. O prolongamento do conflito,
no entanto, pode anular a baixa do dólar no início do ano.
Nesta semana, o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, disse que o Brasil está preparado para os impactos econômicos da guerra.
Segundo ele, o país tem grandes reservas internacionais e baixa
participação de estrangeiros na dívida pública, o que ajudaria a
enfrentar os riscos de uma turbulência externa prolongada.
No entanto, caso o dólar continue a subir e a
inflação não ceder, o Banco Central pode ver-se obrigado a aumentar a
taxa Selic (juros básicos da economia) mais que o previsto. Nesse caso, o
crescimento econômico para este ano ficaria ainda mais prejudicado. Na
última edição do boletim Focus, pesquisa semanal com instituições
financeiras divulgada pelo Banco Central, os analistas de mercado
elevaram a projeção anual de inflação oficial para 5,56% em 2022. Essa
foi a sexta semana seguida de alta na estimativa. A previsão de
crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) foi mantida em apenas
0,3% neste ano.Informações: FGV
Via: ebc
Post: G. Gomes
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