A criminalização das fake news
(notícias falsas), a exigência de que empresas de tecnologia tenham sede
no Brasil e a proibição de disparos em massa nos aplicativos de
mensagens estão entre os principais pontos do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630). O tema foi debatido em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana.
Em meio a muita polêmica, deputados e
senadores têm o desafio de avançar na discussão da proposta. Depois de
aprovado no Senado, em junho de 2020, o texto mudou quase completamente,
e está parado desde abril do ano passado na Câmara dos Deputados.
Na discussão com os deputados, ainda no ano
passado, a proposta sofreu uma derrota importante. Por apenas oito
votos, a proposta não alcançou os 257 votos necessários para ter a
tramitação acelerada e voltou ao estágio em que precisa transitar por
comissões ou grupo de trabalho específico. Um novo pedido de urgência
deve ser pautado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O projeto prevê a transparência de redes
sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo quanto à
responsabilidade dos provedores no combate à desinformação. O texto
também determina o aumento da transparência em relação a conteúdos
patrocinados e à atuação do poder público. Além disso, estabelece
sanções para eventuais descumprimentos da lei. A previsão do relator da
proposta na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), é que a votação
do PL ocorra ainda este semestre.
Para o deputado, o caminho pode ser a
responsabilização da plataforma, quando houver publicidade e
impulsionamento. “Uma coisa é alguém publicar algo na rede social, uma
ideia. Aí, as plataformas falam que é liberdade de expressão. Se não for
conteúdo ilegal, não há problema. Mas, se for publicada uma fake news
paga em uma empresa, e essa empresa projetar isso em um alcance que
aquilo nunca teria, é outra coisa. As empresas não podem ser sócias da
propagação de desinformação, fake news e discurso de ódio.
Sempre que houver impulsionamento, patrocínio e ganhos, a plataforma
precisa assumir a sua responsabilidade”, afirmou em entrevista a fonte.
Big techs
Segundo o advogado e professor de Direito
Constitucional Antônio Carlos Freitas Junior, membro da comissão de
regulamentação e mídias sociais no Instituto de Advogados de São Paulo, o
século 21 exige o debate sobre a regulamentação, principalmente em
relação às big techs, grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado.
Freitas Junior ressaltou que pesquisas
recentes mostram como essas empresas conseguem, através da distribuição
de postagem e seus algoritmos, interferir no comportamento eleitoral.
“Em algum momento, uma autoridade, até mesmo mundial, e os países vão
ter que se debruçar para limitar a atuação livre e desimpedida das big techs”, disse.
No projeto, está previsto que as plataformas
guardarem, pelo prazo de três meses, os registros dos envios de
mensagens encaminhadas em massa. O acesso a essas informações ocorrerá
por ordem judicial, quando houver investigação penal sobre o conteúdo
ilegal.
Yasmin Curzi, pesquisadora da FGV Direito
Rio, avalia que o mecanismo presente no projeto de lei é o de
rastreabilidade pautada no processo penal, ou seja, com ordem judicial
específica e por isso, não vê necessidade de atualização.
A pesquisadora afirmou que o projeto traz
obrigação de relatórios diversos, direitos e a possibilidade para
usuários recorrerem das decisões das empresas. A medida busca reduzir a
assimetria de informação e poder na relação entre plataforma e usuários.
Educação para evitar fake news
Para Maria Helena Weber, coordenadora do
Observatório da Comunicação, a propagação de notícias falsas está
diretamente ligada ao fato de que as pessoas não entendem o poder dessa
comunicação. Segundo ela, em geral, a mensagem é enviada por alguém
fundamental na vida da pessoa, que, em tese, não contaria uma mentira.
No caso, um amigo ou parente.
Weber defende o processo educativo, que leve
as pessoas a entenderem melhor seu papel sobre a propagação de notícias
e não que as tornem menos vulneráveis ao abuso digital.
Na avaliação da coordenadora, o grande
desafio é sobre o que fazer para que a realidade não seja deturpada e a
verdade seja o ponto principal sobre a divulgação.
“Nós acompanhamos, seja no Brexit [saída do
Reino Unido da União Europeia], seja com o [ex-presidente
norte-americano Donald] Trump e principalmente no Brasil, com a eleição
de [Jair] Bolsonaro, por exemplo, descobrimos o poder que tem essas
plataformas e o poder da circulação de notícias no campo da política.
Então, [é necessário] recuperar a força do que é verdadeiro e do que é
real.”
João Brant, secretário de Políticas Digitais
do governo federal, avaliou que o maior desafio para regular o setor é o
equilíbrio de direitos. Como, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de
expressão, a privacidade, a proteção de dados do usuário, mas impedir a
desinformação, o discurso de ódio, a violação de direitos da criança e
do adolescente, além de impedir golpes e fraudes.
Audiências públicas
No começo deste mês, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) anunciou a criação de um grupo de trabalho em parceria
com as plataformas digitais e redes sociais para apresentar propostas ao
Congresso Nacional. O Poder Executivo também deve encaminhar sugestões.
Jade Percassi, do Instituto Palavra Aberta, defende a Educação Midiática como essencial em tempos de revolução digital.
“Somos nós os indivíduos que compartilhamos,
que engajamos conteúdos bons ou ruins, que passamos para frente
desinformação. Todos nós somos responsáveis por aquilo que a gente
posta, por aquilo que a gente compartilha, por aquilo que a gente divide
nesse ambiente”, conclui.
Nessa semana, durante dois dias, o STF
debateu o Marco Civil da Internet. A audiência pública foi convocada
pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores de ações que discutem
a responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de
internet sobre discursos de ódio e fake news. Foram ouvidos
representantes da sociedade civil, dos operadores do direito e das
partes do processo.Post: G. Gomes
Home: www.deljipa.blogspot.com
Informações: ebc