Profissionais da enfermagem enfrentam
resistência à efetivação do piso salarial, após o Supremo Tribunal
Federal (STF) liberar, no último dia 15, o pagamento.
O argumento de entidades de empregadores e municípios é falta de
recursos o que, consequentemente, geraria desemprego para o segmento
profissional.
Entretanto, para a economista Marilane
Teixeira, professora e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho (Cesit), ligado ao Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estabelecimento de pisos
salariais traz avanços notórios já que leva à valorização das ocupações e
melhora os rendimentos do trabalho.
“A gente chegou, tanto no caso do piso da
enfermagem como em outras categorias, a um determinado patamar em
relação ao que é um valor, um preço justo, pela força de trabalho a
partir de um reconhecimento de que é um trabalho essencial e necessário.
No caso da enfermagem, ficou muito evidente na pandemia, as pessoas
foram fundamentais e foram os profissionais que mais perderam suas
vidas, justamente cuidando da vida dos das outras pessoas”, avaliou.
A liberação do pagamento foi feita pelo
ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Contudo, o ministro entendeu que
estados e municípios devem pagar o piso nacional da enfermagem nos
limites dos valores que receberem do governo federal. Para profissionais
da iniciativa privada, está prevista a possibilidade de negociação
coletiva.
A decisão do ministro foi proferida após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sancionado a abertura de crédito especial de R$ 7,3 bilhões para o pagamento do piso. A medida foi publicada na sexta-feira (12/05/2023), Dia Internacional da Enfermagem.
Historicamente, os empregadores tendem a
resistir em relação ao pagamento de um de um piso salarial mínimo. “Essa
pressão por parte dos empregadores é histórica. Estamos falando de
relação do capital e trabalho, então tudo que implica em melhora do
ponto de vista da remuneração salarial sempre vai encontrar uma certa
resistência do outro lado no sentido de cumprir com as condições”,
disse.
“As categorias mais organizadas, mais
estruturadas, foram, na verdade, as que mais inovaram nesse sentido,
porque como elas tinham mais poder de força de negociação, elas foram
impondo também os pisos salariais e com valores relativamente superiores
ao que é praticado em termos de salário mínimo”, disse, acrescentando
que o mínimo é referência importante sobretudo para as categorias que
não são tão organizadas.
A pesquisadora destaca que há categorias
formadas predominantemente por mulheres, como é o caso da enfermagem, o
que leva a maior dificuldade no reconhecimento social do valor e da
função dessas profissões. “É uma ideia de que 'enfermeira é cuidadora',
então é uma função que as mulheres já nascem sabendo e não precisam de
muita capacitação para realizar uma coisa que é inata. Então, por que
pagar salários altos por um trabalho que elas já nasceram sabendo fazer?
Mas não é verdade, é uma área fundamental”, acrescentou.
Desemprego
A pesquisadora afirmou ainda que não
há evidência de que a conquista de pisos salariais leve ao desemprego, à
extinção ou à redução de demanda por determinado tipo de ocupação.
“Isso é uma pressão de quem obviamente resiste, sempre resistiu a
qualquer avanço em termos de direito, porque não é só no piso, também se
manifesta em outros direitos. Toda vez que você avança num determinado
direito, sempre tem a pressão de que isso vai gerar desemprego”, disse.
Segundo ela, o que vai determinar a geração
de desemprego em uma categoria é a avaliação de que determinada ocupação
perdeu o sentido do ponto de vista social e, portanto, foi se
ressignificando e sendo criadas outras funções com trabalhos similares
que possam substituí-la. “Depende da demanda e não necessariamente da
remuneração”, afirmou.
Valor
O novo piso para enfermeiros contratados sob
o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é de R$ 4.750,
conforme definido pela Lei nº 14.434. Técnicos de enfermagem recebem, no
mínimo, 70% desse valor (R$ 3.325) e auxiliares de enfermagem e
parteiras, 50% (R$ 2.375). O piso vale para trabalhadores dos setores
público e privado.
Dados do Conselho Federal de Enfermagem
contabilizam mais de 2,8 milhões de profissionais do setor no país,
incluindo 693,4 mil enfermeiros, 450 mil auxiliares de enfermagem e 1,66
milhão de técnicos de enfermagem, além de cerca de 60 mil parteiras.
Empregadores
A Confederação Nacional de Municípios (CNM)
avalia que a medida é uma “ilusão”. Em nota, a entidade afirmou que “o
valor sancionado não paga um terço do piso dos profissionais de saúde
que atuam nos municípios. Além disso, trata-se de recurso somente para
2023, não permanente para uma despesa continuada, não traz
regulamentação sobre a forma de distribuição e transferência, e é
destinado apenas aos profissionais da atenção especializada, ficando de
fora os profissionais da atenção básica, como aqueles que atendem o
Estratégia Saúde da Família.”
Dados da confederação mostram que os
municípios têm em seu quadro mais de 589 mil postos de trabalho da
enfermagem. De acordo com estimativa da entidade, o impacto do piso aos
municípios será de R$ 10,5 bilhões neste ano. “No entanto, a Lei
14.581/2023 se limitou a destinar R$ 3,3 bilhões aos entes locais,
apesar de ser a esfera municipal que absorve o maior impacto financeiro
com a instituição do piso”, diz a nota. Ainda segundo a entidade, com a
vigência da medida, há risco de desligamento de mais de 32,5 mil
profissionais da enfermagem.
A Federação Brasileira de Hospitais (FBH)
informou que lamenta a decisão de Barroso. “A decisão veio sem que fosse
apresentada, conforme solicitava liminar emitida pelo próprio ministro,
soluções para minimizar o impacto dos custos com o reajuste na rede
privada”, disse, em nota. A entidade ressalta que o PL assinado pelo
presidente Lula é destinado apenas aos hospitais públicos, o que não
resolve o impacto na rede privada, estimado pela FBH em mais de R$ 7
bilhões anuais.
A entidade acrescenta que, apesar de São
Paulo, Minas e Rio responderem por 48% do total de vínculos em
profissionais de enfermagem, será o Nordeste que mais será impactado. “A
região com mais estados no país terá que lidar com um aumento de 40% de
custos, pois 84% dos profissionais da categoria recebem abaixo do piso
estipulado. Estados como Maranhão e Pernambuco chegam a ter 90% dos
vínculos abaixo do piso estipulado.”
O presidente da FBH, Adelvânio Francisco
Morato teme pelos 4,2 mil estabelecimentos filiados, principalmente os
de pequeno e médio porte, que representam 70% do total. A estimativa é
que haja redução de 30% do quadro de enfermagem nos hospitais com até
100 leitos.
“O governo, em nenhum momento, demonstrou
preocupação em estabelecer as fontes de custeio. Com isso, centenas de
hospitais vão fechar as portas, e o país vai registrar aumento no
desemprego, além de precarização no acesso a serviços de saúde no
interior”, avaliou Morato. Segundo ele, a rede privada responde por 62%
dos cerca de 1,3 milhão de profissionais de enfermagem do país, e 71%
dos pequenos estabelecimentos estão fora das capitais.
Trabalhadores
Para o conselheiro do Conselho Federal de
Enfermagem (Cofen), Daniel Menezes de Souza, a liberação do piso pelo
STF “representa a concretização do que sempre defendemos, de que o piso é
constitucional, que há recursos para o financiamento do setor público e
se concretiza como um passo na conquista de reconhecimento social para
nossa profissão”.
Em relação à falta de recursos para o
pagamento do piso, ele explicou que durante a tramitação do projeto no
Congresso Nacional, as equipes técnicas usaram os dados oficiais, com
estudos realizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese), para calcular o impacto financeiro do
valor necessário para completar aquilo que faltava para alcançar o
equivalente ao piso.
“Esses valores foram liberados pela União,
então não há justificativa para que o pagamento não se concretize. Para
os privados, o piso também deverá ser pago, contudo a partir de 1º de
julho. Quanto à negociação coletiva, entendemos que ela parte dos
direitos mínimos já garantidos na proteção do trabalhador, e o valor
estabelecido por lei que cria piso é uma dessas garantias”, disse. Para
cada ano, os valores devem ser incluídos na lei que estabelece as
prioridades do Orçamento da União – a LDO, que é aprovada anualmente.
Menezes ressalta que a argumentação em torno
de demissões era usada quando não havia a fonte de custeio definida e
que estes postos de trabalho são fundamentais para garantir a
produtividade nestes serviços. “Entendemos que, com a criação do fundo
estabelecido na emenda constitucional 127 e a consequente
disponibilização dos recursos no Orçamento da União e a confirmação dos
repasses pelo Ministério da Saúde, não há qualquer justificativa para
manter este discurso.” Ele afirma ainda que, para o setor privado com
fins lucrativos, o pagamento do piso representa em média menos de 5% de
seu faturamento.
O presidente do Conselho Regional de
Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), James Francisco dos Santos,
considerou a medida “um grande alívio e uma grande justiça”, ressaltando
que o piso salarial é um direito pelo qual a categoria vinha lutando há
décadas.
“O piso salarial da enfermagem não é uma
novidade e todo o movimento, apesar das iniciativas em contrário,
denotava que ele seria aprovado. É um justo reconhecimento ao trabalho
realizado pela maior força de trabalho da saúde brasileira e sempre
contou com um grande apoio popular. Portanto, a gestão das unidades de
saúde pode ser realizada de forma a reorganizar suas finanças e
direcionar o investimento necessário para o cumprimento do piso
salarial”, avaliou Santos.
Em relação ao risco de demissões, apontado
pelo setor patronal, ele afirma que a enfermagem é uma das profissões
mais promissoras para a saúde, que sua presença é essencial nas
instituições, e um corte de profissionais da área configuraria uma
ameaça à qualidade da assistência prestada. “No caso da negociação
coletiva das instituições privadas, o que esperamos é que sejam
respeitados os valores previstos na Lei nº 14.434, pois são fruto de
extensas tratativas que foram realizadas ao longo dos anos também com
representantes da iniciativa privada" ressaltou.Post: G. Gomes
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Informações: ebc