Estudo
realizado em animais conseguiu demonstrar, pela primeira vez, como a
interação gene-ambiente durante o desenvolvimento craniofacial do
embrião pode dar origem à fissura labiopalatina. 

Pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP), em colaboração com a University College London, do Reino Unido,
conseguiram comprovar em modelo animal que a fenda lábio palatina,
também conhecida como lábio leporino, ocorre como resultado da
associação de dois eventos: um genético e outro provocado por
inflamações durante a gravidez, no período de formação e desenvolvimento
do embrião.
No Brasil, estima-se que essa malformação
afeta uma criança em cada 650 nascimentos. Neste sábado, 24 de junho, é
celebrado o Dia Nacional de Conscientização sobre a Fissura
Labiopalatina, data marcada para informar sobre o problema e contribuir
para a redução do preconceito.
Os pesquisadores acompanham famílias com
casos de lábio leporino há anos e havia a suspeita de que para que
ocorresse a malformação seria necessário um componente ambiental, além
do genético, explica a pesquisadora do CEGH-CEL, Maria Rita
Passos-Bueno, que coordenou a pesquisa publicada na Nature
Communications.
“Ao fazer o sequenciamento genético dessas
pessoas, vimos que, apesar de muitas delas terem a mutação no gene CDH1,
uma parcela importante não apresentava a malformação. Faltava uma peça
que explicasse por completo o que levava à ocorrência do lábio
leporino”.
O gene CDH1 (que codifica a proteína
E-caderina) é um dos exemplos em que uma mutação em um de seus alelos
pode levar a ocorrência de lábio leporino e também a um tipo de câncer
gástrico.
“Vários estudos sugerem um padrão de herança
multifatorial, que depende da interação de fatores ambientais e
genéticos. Além disso, temos o conhecimento da interação/exposição a
bactéria/inflamação e um determinado tipo de câncer gástrico associado a
variante em CDH1. Por isso, resolvemos investir em busca de fatores
ambientais. Escolhemos inflamação em função dos dados da literatura já
associados às fissuras”.
Mutação
A mutação interfere no processo de migração
de células das cristas neurais, aquelas que são presentes no
desenvolvimento do embrião e que se diferenciam para a formação de
ossos, cartilagem, tecido conectivo da face, entre outros tipos
celulares. Com o comprometimento da migração das cristas neurais durante
o desenvolvimento embrionário, o processo de diferenciação é
prejudicado, podendo causar o lábio leporino.
No entanto, como ressalta Passos-Bueno, essa
variante sozinha não conseguia explicar completamente a questão
hereditária do lábio leporino. "Quando há falta nos dois alelos de CDH1,
o embrião morre. Já quando um alelo é normal e o outro mutável, é
compatível com a vida e na maioria dos casos não há malformação", afirma
Passos-Bueno.
Os pesquisadores passaram a investigar algum
fator ambiental que pudesse contribuir com o processo. "Dados da
população de pessoas com lábio leporino mostram que obesidade, diabetes e
outras situações que são pró inflamatórias, como infecção materna
(episódios de febre durante a gestação) são fatores de risco para a
criança nascer com fissuras. Os resultados do estudo mostraram que
moléculas inflamatórias, denominadas citocinas, induzem uma
hipermetilação do gene CDH1", diz Passos-Bueno.
No caso da fissura labiopalatina, ocorreu a
epigenética, ou seja, modificações bioquímicas nas células ocasionadas
por estímulos ambientais (no caso a inflamação) que promovem a ativação
ou o silenciamento de genes, sem provocar mudanças no genoma do
indivíduo.
A metilação é uma modificação bioquímica que
consiste na adição de um grupo metil à molécula do DNA por meio da ação
de enzimas. Trata-se de um processo natural e necessário para o
funcionamento do organismo, pelo qual a expressão dos genes é modulada.
No entanto, quando desregulado, como no caso da hipermetilação do CDH1,
pode provocar disfunções nas células e contribuir para o desenvolvimento
de doenças e malformações.
No entanto, a pesquisa não pode mostrar
quais tipos de inflamação, associadas à mutação, podem levar à
malformação. “Não temos ainda claro quais são essas inflamações. Mas é
importante ficar claro que um fator de risco ambiental sozinho não vai
levar a fissura labial”, esclarece a pesquisadora.
Experimento
No estudo, além dos testes in vitro
realizados em células humanas, os pesquisadores fizeram experimentos em
camundongo e rãs para provar que a inflamação estava provocando
hipermetilação no gene CDH1. As células e os embriões de camundongos e
rãs foram expostas a fatores ambientais, por meio de partículas de
bactérias que produzem a inflamação.
Depois, as fêmeas com cópias normais do gene
também foram expostas à inflamação. Quando fêmeas com uma cópia mutada
do gene foram expostas à inflamação, os pesquisadores observaram que a
prole tinha defeitos na migração da crista neural, o que pode explicar o
aparecimento da fissura.
A pesquisa pretende, futuramente,
identificar quais as inflamações, combinadas com a variante CDH1, podem
levar à malformação. “Pretendemos investigar essa questão. A
identificação de fatores que ativam a inflamação materna
será importante para o estabelecimento de medidas preventivas para a
fissura labio-palatina”, concluiu Passos-Bueno.
O estudo foi realizado no Centro de Estudos
do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um dos centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - e o artigo Neural crest E-cadherin loss drives cleft lip/palate by epigenetic modulation via pro-inflammatory gene–environment interaction foi publicado na revista Nature Communications. Post: G. Gomes
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Informações:Universidade de São Paulo