O
suicídio é um fenômeno multifatorial, ou seja, são vários elementos
envolvidos que levam à decisão de uma pessoa tirar a própria vida. Por
isso, é preciso uma articulação de setores e saberes para que ações de
prevenção sejam bem sucedidas. Além disso, o tema não pode ser tratado
como tabu. A avaliação é de especialistas ouvidos pela fonte, em um cenário em que o país enfrenta alta no número de pessoas que tiram a própria vida. 

O número de suicídios no Brasil cresceu
11,8% em 2022 na comparação com 2021. O levantamento faz parte do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, divulgado em julho. Em 2022, foram 16.262 registros,
uma média de 44 por dia. Em 2021, foram 14.475 suicídios. Em termos
proporcionais, o Brasil teve 8 suicídios por 100 mil habitantes em 2022,
contra 7,2 em 2021.
Reflexos da pandemia
Para o professor Antonio Augusto Pinto
Junior, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense
(UFF), esse aumento deve-se, em muito, pelos efeitos da pandemia de
covid-19. Ele contextualiza que o cenário pandêmico resultou em aumento
do desemprego e precarização das condições de trabalho. “Elementos que
se acumularam com outros fatores de risco para a saúde mental da
população, como ansiedade, solidão, estresse. Fatores decorrentes tanto
do isolamento social quanto dos lutos e perdas de amigos e/ou
familiares”, explica.
“Essas experiências deflagradas pela
pandemia impactaram, de forma significativa, a saúde mental em função
dos riscos físicos e psicossociais, tornando o sofrimento psíquico muito
mais agudo, desencadeando o declínio do sentimento de vida e de uma
sensação de vazio que, geralmente, acompanham o comportamento suicida”,
conta o especialista, que observou esses sintomas em pacientes atendidos
no projeto que a UFF de Volta Redonda, sul do estado do Rio de Janeiro,
tem em parceria com o Departamento de Psicologia Clínica do Instinto de
Psicologia da Universidade de São Paulo. O serviço é exclusivamente
gratuito e conta com aproximadamente 400 terapeutas voluntários,
inscritos no cadastro do Conselho Federal de Psicologia, além de
graduandos de psicologia das duas universidades.
“Mesmo após o período crítico da pandemia, a
busca pelo tratamento online se manteve intensa. Desde a implantação em
março de 2020, com o isolamento social, até o fim de 2022 - portanto
abrangendo a pandemia e a pós pandemia - foram atendidas mais de 6 mil
pessoas. Os principais transtornos apresentados são ansiedade e
depressão, com queixa de desemparo atrelado à perda de referências
simbólicas, o que produz uma forma de angústia que, muitas vezes, figura
como um excesso emocional que acompanha uma interrupção do sentido de
vida”, completa.
Tendência preocupante
O vice-diretor do Instituto de Medicina
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rossano
Cabral Lima, enxerga uma tendência preocupante nos dados de suicídio no
país. Com base nos boletins epidemiológicos publicados pelo Ministério
da Saúde, ele aponta que a média nacional era de 5,24 casos por mil
habitantes em 2010. O especialista destaca que o aumento tem sido
proporcionalmente maior em faixas etárias mais jovens, abarcando
infância e juventude. O especialista, que também é secretário nacional
da Associação Mundial para a Reabilitação Psicossocial, destaca ainda
que Brasil e América Latina estão na contramão do mundo, que experimenta
um decréscimo nos casos de suicídios.
Cabral Lima diz acreditar que esse aumento
pode ser relacionado a determinantes sociais da região latino-americana.
"À medida que aumenta a taxa de desemprego, aumenta a de suicídio; à
medida que cai a escolaridade, aumenta a taxa de suicídio. A violência
na comunidade, de uma maneira geral, também aumenta os casos", afirma o
psiquiatra, que já atuou na rede pública de atenção psicossocial.
Rondônia em alerta
O Anuário do FBSP traz um destaque
relacionado ao Estado de Rondônia. A taxa de suicídios por 100 mil
habitantes foi de 20,7. Isso é mais que o dobro do índice nacional (8) e
bem à frente do segundo colocado, Rio Grande do Sul (14,7).
O psiquiatra Humberto Müller é integrante da
Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina de
Rondônia. Segundo o psiquiatra, Rondônia, assim como os demais estados
do Norte, sempre apresentou baixo índice de notificações compulsórias em
relação ao suicídio, tendo por décadas subnotificado casos.
“A melhora nas notificações deu aos
profissionais a real noção do problema. Com isso, torna-se necessário
que medidas de saúde pública sejam pensadas e aplicadas”, avalia. O
especialista - que colaborou, em 2021, com o grupo de trabalho da Câmara
dos Deputados destinado ao estudo sobre o aumento de suicídio,
automutilação e problemas psicológicos entre os jovens - diagnostica que
“o baixo número de profissionais que atuam em saúde mental, assim como
os escassos serviços médicos ambulatoriais, como o Caps (Centro de
Atenção Psicossocial), e os baixos números de leitos para internação
psiquiatria certamente fazem parte do problema”.
Mundo
De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a cada ano, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida no
mundo. Isso representa, em média, um caso a cada 40 segundos. É a quarta
maior causa de morte em jovens entre 15 e 29 anos. Há indícios de que,
para cada pessoa que morre por suicídio, é provável que haja mais de 20
outras que tentam dar fim à própria vida.
A OMS afirma que estigmatização e tabu são
grandes obstáculos para a prevenção. Isso impede que muitas pessoas que
vivenciam problemas de saúde mental a ponto de pensar em suicídio deixam
de procurar ajuda por causa do estigma que sofrem.
Quebrar tabu
O psiquiatra Humberto Müller defende que é
fundamental desmistificar as fantasias e preconceitos com relação às
doenças e tratamentos psiquiátricos. Muitos pacientes sofrem em
silêncio, sem buscar atendimento por vergonha ou desconhecimento. A
psicoeducação salva vida, pois traz luz às trevas da ignorância e
estimula a busca por autocuidado”. Ele acrescenta que o enfrentamento do
problema se faz com políticas públicas que ofereçam alternativas
terapêuticas multidisciplinares aos que sofrem. “Ter acesso ao
psiquiatra e psicólogo salva vidas. É preciso aumentar a rede de apoio,
disponibilizando mais profissionais de saúde mental, para que possam
atender a demanda latente e estruturar políticas públicas visando a
prevenção e autocuidado”, conclui.
Antonio Augusto Pinto Junior, da UFF,
considera que a sociedade não compreende a dimensão nem os efeitos dos
transtornos mentais na vida coletiva. “De modo geral, as pessoas
atribuem apenas ao indivíduo ou à família as causas do sofrimento mental
- concebido frequentemente como fraqueza e covardia do sujeito, não
reconhecendo os vários determinantes sociais, culturais, políticos e
econômicos associados ao desencadeamento das doenças mentais. Enquanto a
sociedade não abordar o suicídio e outras manifestações do sofrimento
psíquico como fenômenos multidimensionais e multicausais que demandam a
articulação de vários setores e saberes, dificilmente teremos políticas
públicas efetivas e eficazes no seu enfrentamento”, disse.
Rossano Cabral Lima, do Instituto de
Medicina Social da Uerj, diz acreditar que a saúde mental nunca foi um
tema considerado prioritário e só começou a ganhar mais importância a
partir dos anos 2000. Para ele, a promoção de saúde é um caminho para a
prevenção de novos casos. Isso inclui oferecer a capacidade de o
indivíduo superar obstáculos na vida e também afastar o acesso a itens
que acabam sendo uma forma de chegar ao suicídio, como armas e drogas
lícitas e ilícitas. “Suicídio é um tema que, com muito cuidado, precisa
ser discutido nos espaços mais importantes da sociedade, desde a escola
até os ambientes de trabalho, até a vida familiar, para, de fato, deixar
de ser tratado como um tabu”, orienta.
Acolhimento
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um
dos principais serviços de aconselhamento no país de pessoas que
enfrentam pensamentos suicidas. De acordo com o último relatório de
atividades do CVV, por meio do número de telefone 188 (ligação
gratuita), 3,5 mil voluntários atendem uma média de 8 mil ligações por
dia. A porta-voz do CVV, Leila Herédia, contou à fonte que o aumento no número de pessoas que tiram própria vida no país evidencia a importância de acolhimento.
"Mais que números, são vidas que perdemos.
Esse aumento só reforça a necessidade de focarmos cada vez mais na
prevenção, todos nós, porque é apenas conversando, falando, quebrando
tabus e permitindo que as pessoas desabafem, entendam que é tudo bem não
estar bem, que a gente nem sempre está legal, que é ok pedir ajuda, que
vamos mudar este cenário", diz. "Não é mimimi, a gente não estar bem
sempre. E é importante saber a hora de buscar ajuda", completa.
Para Leila Herédia, é preciso uma coesão
entre instituições e pessoas. "Para quebrar este estigma e estimular as
pessoas a pedirem ajuda, é necessário que tenhamos, de fato, esse
espaço. Então, o poder público, com políticas públicas, atendimento na
rede pública, profissionais de saúde, familiares, amigos, professores e o
CVV, com nossos voluntários, todos nós devemos fazer parte desta rede
de atenção e prevenção".
Poder público
Para a OMS, governos devem investir em
políticas públicas para aumentar a conscientização sobre e importância
da saúde mental e quebrar tabus envolvendo o suicídio.
No ano passado, o Ministério da Saúde lançou iniciativas voltadas para o cuidado da saúde mental
dos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entre elas, a Linha
Vida (196), um projeto telefônico piloto, começando pelo Distrito
Federal, que disponibiliza teleconsultas para o enfrentamento dos
impactos causados pela pandemia e as Linhas de Cuidado para organizar o
atendimento de pacientes com ansiedade e depressão. Ao todo, foram
destinados mais de R$ 45 milhões às ações.
Papel da mídia
Uma das ações da OMS na prevenção de novos
casos de suicídio é interagir com a mídia para estimular e orientar uma
cobertura responsável sobre o assunto, derrubando o mito de que o tema
não deve ser interesse de reportagens.
“A discussão sobre o suicídio e os
transtornos mentais, de forma geral, deve ser pauta da imprensa, mas de
forma cuidadosa e ética. Desmistificar o fenômeno do suicídio e
abordá-lo como um problema social, e não apenas individual, deve ser
também uma tarefa da mídia, de modo a ajudar as pessoas na identificação
precoce dos sintomas e de como buscar ajuda profissional”, aponta
Antonio Augusto Pinto Junior, do Departamento de Psicologia UFF.
Rossano Cabral Lima, da Uerj, orienta que a
imprensa trate casos sem sensacionalismo e evitando detalhes sobre os
métodos, para evitar o chamado efeito contágio, que poderia incentivar
outros casos. “É mais importante dar informações como essa [dados do
anuário], que tem mais impacto na saúde coletiva, do que de casos
individuais. Mas, mesmo em relação aos casos individuais, evitar
detalhes sobre métodos, sem glamourização nem tratar como um ato de
coragem, de resistência. Uma abordagem responsável pela imprensa tem um
impacto positivo em transformar o suicídio em uma coisa que não seja um
tabu”, conclui.
Sinais de alerta
Todos os anos ocorre a campanha Setembro
Amarelo. É uma forma de levar a saúde mental e prevenção ao suicídio
para o cotidiano nas pessoas. Um dos objetivos da ação é aumentar a
conscientização sobre sinais de que uma pessoa pensa em tirar a própria
vida. A Agência Brasil aponta alguns indícios, segundo a campanha:
- Expressão de ideias ou de intenções suicidas;
- Publicações nas redes sociais com conteúdo
negativista ou participação em grupos virtuais que incentivem o
suicídio ou outros comportamentos associados;
- Isolamento e distanciamento da família,
dos amigos e dos grupos sociais, particularmente importante se a pessoa
apresentava uma vida social ativa;
- Atitudes perigosas que não necessariamente
podem estar associadas ao desejo de morte (dirigir perigosamente, beber
descontroladamente, brigas constantes, agressividade, impulsividade,
etc.);
- Ausência ou abandono de planos;
- Forma desinteressada como a pessoa está
lidando com algum evento estressor (acidente, desemprego, falência,
separação dos pais, morte de alguém querido);
- Despedidas (“acho que no próximo natal não
estarei aqui com vocês”, ligações com conotação de despedida,
distribuir os bens pessoais);
- Colocar os assuntos em ordem, fazer um testamento, dar ou devolver os bens;
- Queixas contínuas de sintomas como desconforto, angústia, falta de prazer ou sentido de vida;
- Qualquer doença psiquiátrica não tratada (quadros psicóticos, transtornos alimentares e os transtornos afetivos de humor).
Obter ajuda
Entre os profissionais que tratam de saúde
mental e instituições especialistas em prevenção ao suicídio, é unânime a
ideia de procurar (ou orientar) ajuda específica sempre que sentir
necessidade de acolhimento (ou perceber que alguém precisa). Aqui alguns
canais para receber atenção e auxílio:
- Centro de Valorização da Vida,
realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e
gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob
total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.
- Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário on-line e presencial em todo país.
- Pode Falar,
um canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos.
Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e
serviço.
Post: G. Gomes
Home: www.deljipa.blogspot.com
Informações:
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública