“Em 30 anos de profissão, eu havia conhecido apenas um psicopata. Este é o segundo.” A frase, que ressoou como um tambor dentro da pequena sala onde as reportagens são editadas, foi dita pelo delegado José Mariano de Araújo Filho, da Delegacia de Investigações sobre Crimes Cometidos por Meios Eletrônicos, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Desse momento em diante, o Núcleo de Investigações Jornalísticas da Record TV teve a certeza de que o desafio da “Baleia Azul” transcendeu os limites de uma suposta brincadeira na internet.
No mês de abril, o Núcleo mergulhou no oceano das redes sociais a fim de encontrar “curadores” imersos no jogo mortal (veja abaixo reportagem que foi ao ar nesta quarta-feira no Jornal da Record). Com um perfil falso no Facebook e no aplicativo WhatsApp, a equipe de jornalistas se passou por uma jovem de 19 anos, bonita, dona de uma personalidade frágil e que procurava um sentido na vida, o suicídio. Uma “isca”.
Durante o processo de busca na internet, entramos em grupos do “Baleia Azul” à procura de termos que faziam menção aos desafios mortais. Navegamos, adicionamos usuários no Facebook e trocamos mensagens com eles, até encontrar um “curador” – figura responsável por passar os 50 desafios que levam os seguidores, chamados de “baleias”, a tirar a vida. Em síntese, “Baleia Azul” é um conjunto de tarefas diárias a serem cumpridas – até que se atinja o objetivo final, o suicídio.
Primeiro contato
No primeiro contato com o curador, surgiu a pergunta: “quer jogar?”. Respondemos “sim, muito”. Após questionar os motivos, o curador também quis saber se a nossa personagem tinha algum problema de saúde.
No mesmo dia, o predador passou a primeira das 50 tarefas – que não serão descritas pela nossa reportagem por orientação da psicóloga Alexandrina Meleiro, coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Nesse ponto, a investigação se tornou também um desafio técnico. Descobrir a identidade do nosso interlocutor foi o primeiro problema enfrentado, pois ele utilizava um nome falso, pedia para ser chamado de “Calango”, e só mantinha conversas escritas por um aplicativo de celular pré-pago, sem cadastro nas companhias telefônicas.
Apresentar as automutilações a pedido de “Calango” foi outra barreira. O obstáculo foi superado por maquiadores profissionais, que criaram cicatrizes falsas para levar o “curador” a acreditar no cumprimento das tarefas.
Entre os desafios realizados ouvimos músicas depressivas, assistimos a filmes de terror e recebemos ordens para praticar cinco automutilações. Enquanto o time de jornalistas era submetido às tarefas, os laços de confiança com o “curador” se estreitavam.
Mantivemos o diálogo durante um mês, até marcamos um encontro no Rio de Janeiro. Mais uma vez, outro obstáculo. Gravar o encontro sem ele suspeitar que era monitorado levou nossa equipe a investir quatro dias na busca de um local adequado e seguro para elaborar um complexo esquema de gravação, usando várias câmeras ocultas, algumas das quais nas roupas da jornalista.
Por último, para que ele não questionasse a ausência de cicatrizes nas mãos e braços da personagem, enfaixamos as regiões das falsas mutilações com um tipo especial de esparadrapo da cor da pele.
Um especialista em segurança acompanhou o encontro, sempre mantendo uma distância prudente.
O Encontro
Minutos antes, ele havia enviado uma mensagem para avisar que chegaria logo. No quarto do hotel, especialmente alugado para esse fim, nossa produtora checava as câmeras e tentava conter a ansiedade natural e provocada pela situação antes de descer ao local combinado.
“Calango” atravessou o portão do hotel com andar firme, sem chamar a atenção dos seguranças. Subiu as escadas até o primeiro andar e, de imediato, localizou a nossa produtora, que o aguardava sentada à mesa no meio do restaurante.
Alto, com boa complexão física, “Calango” tem 23 anos, mora em Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio de Janeiro, e se apresenta como um pedreiro que aspira estudar engenharia.
Até aquele momento, só tínhamos uma foto enviada por ele via WhatsApp, mas não havia nenhuma certeza de que o jovem por trás do celular fosse realmente o homem da fotografia, o que se confirmou com sua chegada.
O encontro foi marcado inicialmente para as 15h de uma sexta feira. Porém, na noite anterior, ele informou ter conseguido um trabalho de última hora, então só estaria livre no fim do dia previsto para a conversa. Mesmo preocupados com a iluminação, ambiente e rotina do local – tudo havia sido rigorosamente analisado para que a gravação ocorresse sem problemas – concordamos em mudar para o fim da tarde.
“Calango” chegou pontualmente ao encontro, remarcado para as 17h30 no restaurante de um hotel de alto padrão no centro da capital fluminense. Vestia roupas simples, moletom, touca e chinelos. Ele não se intimidou ao passar pela recepção do hotel nem ao entrar ao restaurante, ainda vazio, onde nossa produtora e os demais membros da equipe estavam apostos em outras mesas.
A conduta de “Calango” demonstrou frieza e domínio da situação.
O encontro começou com um simples “oi”, sem contato físico algum, beijo ou tapinhas nas costas. Sequer um aperto de mãos. Sentou-se de frente para ela. Nossa produtora tomou a iniciativa e disse o quanto estava chateada por não ter concluído os desafios. O resultado foi o esperado. Menos de um minuto depois, “Calango” alardeava ter cumprido todas as etapas do desafio e ter sobrevivido após um período de coma profundo.
Pouco perguntava sobre a vida da nossa produtora e evidenciava prazer em ser o personagem central. Logo explicou em detalhes, às vezes um pouco confusos, as dúvidas colocadas pela jornalista.
Mostrando domínio na arte de seduzir presas vulneráveis, “Calango” mantinha uma linguagem corporal tranquila, movimentos suaves e olhar direto, sempre no intuito de ocultar um espirito sádico – embora travestido de serenidade.
“Calango” se mostrou especialista no tema “Baleia Azul”. Falou sobre a origem russa do game, surgido em uma rede social do leste europeu equivalente ao Facebook. Explicou como se tornou “curador” e os motivos pelos quais se interessa por mutilações. “Eu gosto de ver as pessoas sofrerem”. Ao contar histórias fantasiosas sobre seitas e rituais, o prazer do jovem pelo sofrimento alheio era bastante óbvio.
Durante a conversa, também ficou evidente que não havia nenhum interesse de caráter sexual da parte dele. Não buscava o prazer pelo sexo, buscava o prazer pela dor, pelo ato de dominar e provocar sofrimento. Pelo sadismo de observar a dor da vítima.
O encontro terminou do mesmo modo que começou, sem nenhum contato físico, mas com a sensação do protagonista ter deixado o local levando consigo boa parte das energias do time de jornalistas.
Informação
A Polícia Civil foi informada de todos os fatos colhidos pela reportagem.
Fonte: Portal R7
Capa:http://encurtador.com.br/HLY09
Post: G. Gomes
Para: www.deljipa.blogspot.com.br
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