A pena a que está sujeito varia de doze a trinta anos, em cada crime, disse o delegado ao repórter da televisão, já encerrando a entrevista, referente ao esclarecimento de vários homicídios com autor único.
Alguns desses delitos já haviam praticamente caído no esquecimento, e nunca teriam sido descobertos se não fosse a perseverança de alguns policiais que compunham aquele grupo abnegado.
Foi como das outras vezes: não houve helicópteros, não ocorreu a participação de nenhum grupo especial de qualquer ordem, não aconteceu nada de mágico. Nada do que é cedido em filmes americanos e que tem sido o pensamento da maioria teve aplicação.
A atividade investigativa adstringe-se aos pequenos informes, a verificação de comentários, com intuito de confirmar se é um comentário verídico ou apenas um boato, na especulação pura dos fatos, sem juízos preconcebidos, condenando-se ou absolvendo alguém sem nada de palpável, de real.
É importante conferir também o que diz a pessoa sobre a qual pesam as acusações, em duplo sentido: para absolvê-la, caso diga a verdade, ou condená-la, caso contrário, bem como para utilização da dialética, compondo o fato em sua medida justa, só pesando as circunstâncias que depõem contra e as que militam a favor.
Agindo assim, sempre teve sucesso e foram muito raros os casos que não foram esclarecidos nas investigações que atuou. Eram as reminiscências dele, quando lembrava da função de investigador que exerceu por mais de quinze na polícia de São Eduardo das causas perdidas.
Exonerara-se do cargo há cerca de dez anos. Era agora um advogado.
Nunca se conformou de ser o que ele mesmo se denominara - ganhador moral.
Realizou investigações complicadas, quase sempre com prejuízo da família, a qual ficava
em segundo plano. Sacrificara horas de sono, alimentação precária, viagens, ‘campanas’, tudo pelo esclarecimento dos fatos.
Os recursos materiais sempre estiveram ausentes.
Muitas vezes, a alimentação era realizada com dinheiro próprio e o ressarcimento delas, sempre demorado, nem sempre acontecia. A verba sempre estava escassa, justificavam os superiores.
Os benefícios sempre ficavam com os funcionários públicos, nunca com os verdadeiros policiais.
As promoções por merecimento deles eram rápidas, as melhores viaturas, as melhores armas. Mas ele era o ganhador ... moral.
Atuava em delitos preferencialmente contra vida por escolha própria. Neles, via de regra, podia exercer investigação mais isenta, ao contrário dos delitos que envolvem patrimônio.
Além disso, eram infrações que a maioria se escusava, justamente pela maior dificuldade e pela ausência de algum retorno material, como o pagamento de prêmios de veículos recuperados pelas seguradoras.
Era difícil reconhecer a ele ou a seus companheiros como policiais porque fugiam ao estereótipo tradicional. Evitavam veículos com cores oficiais, ninguém expunha armas, primavam pelo convencimento nas entrevistas, não pela truculência. Uns baixos, outros barrigudos, muitas cãs neles. Arma secreta: vivência de cada um.
Entraram na profissão por mérito, obedecendo as regras do concurso público. Ninguém foi indicado pelo habitual figurão, sempre presente na Administração, nem pelo político, nem pelo parentesco com alguém influente.
Tinham origem humilde, exerceram subempregos ou profissões pouco valorizadas. Chegaram ali pelo afinco próprio, e sabiam o que a população esperava de um policial. Constituíam a minoria e muito esparsos, mas existiram.Talvez ainda algum exista hoje.
Nenhum deles tinha a pretensão de sobrepujar os outros. Suas virtudes eram, apenas, a boa vontade e o trabalho. Nada mais. Por isso, vendo-se isolados nessa mercê, grande, de operários poucos, nutriam alguma esperança em ter valorização reconhecida.
Ao contrário, despertavam inveja dos que nunca pensaram em trabalhar, causavam embaraço quando os superiores dos superiores perguntavam porque os recursos não estavam com os policiais, e sim com os públicos funcionários.
Eram um impeço, mas não podiam ser alijados porque, afinal, alguém tinha de fazer a máquina funcionar. Pelo menos, justificar a existência da máquina. Nunca se esqueceu quando um superior que teve, de atuação profissional sofrível, disse: - Para festejar, eu vou com eles (os funcionários públicos), mas no momento do trabalho, eu sei que é a vocês que tenho de chamar!
Mas o funcionamento do Estado, em São Eduardo das causas perdidas, ao contrário do que dizem os livros, não prima por ser um meio para alcance de um fim - o bem público. É um fim em si mesmo. Em consequência, continuaram os nepotismos, os favorecimentos pessoais, a vitalidade do adágio popular que o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais.
Esse estado de coisas cada vez se agravava, e idade vinha chegando. Passaram a perceber que alguém tinha de pensar neles próprios e assim o grupo foi desfazendo paulatinamente. Daqueles policiais, um está no litoral, numa cidade pacata, onde só ocorrem brigas de bêbados.
Outro se aposentou proporcionalmente. Outro tenta passar desapercebido numa função administrativa. De quando em vez, aqueles homens se reúnem e bebericam em memória aos bons tempos.
Email: lucaho@ig.com.br
Nota do autor: trata-se de uma obra de ficção,
despretensiosa. Eventual semelhança com algum
acontecimento real é fruto do acaso. Di Araujhur
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTE E COMPARTILHE. OBRIGADO!