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26 fevereiro, 2020

Bobagens III: a reforma da Previdência é “neoliberal”

Quando alguém não tem um único argumento contra a proposta, entende que dar um apelido que nada significa é uma crítica relevante

A esmagadora maioria de críticos da reforma da Previdência e a totalidade dos partidos de esquerda – que, como sabemos, votaram contra a reforma – cansaram de acusá-la de “neoliberal”.

A bobagem é tamanha e a ignorância, tão gigantesca que, quando alguém não tem um único argumento contra alguma proposta, a platitude intelectual entende que dar um apelido que nada significa é uma crítica relevante.

Privatizar estatais que atendem prioritariamente seus funcionários é “neoliberal”; modernizar o setor público, com alterações no contrato de trabalho de servidores públicos, é “neoliberal”; conferir autonomia legal ao Banco Central é “neoliberal”; buscar alternativas para o baixíssimo nível de prestação de serviços nas áreas de educação e saúde é “neoliberal”; revalorizar as agências reguladoras e garantir-lhes autonomia técnica é também “neoliberal”.

Alterar a Previdência então, nem se fala. É “neoliberal” e pronto. E, com isso, o debate fica indigente. Esse, costumo dizer, é o “lumpem” argumento. É a escória dos argumentos. Um slogan, um apelido. Na essência, não é nada. É o vácuo de ideias.

Comecemos por imaginar um país fantasioso com um sistema previdenciário com as seguintes características: 
  • Trabalhadores pobres se aposentam em média nove a dez anos depois de trabalhadores médios e ricos.

    Praticamente todos recebem mais do que contribuem, mas os trabalhadores mais ricos recebem muito mais de transferência do que trabalhadores pobres. Quanto a isso, vejamos um simples exemplo: um mecânico desse país ganha em média R$ 2 mil. Um servidor público ganha R$ 10 mil. Imagine que se aposentem na mesma idade (o que viola a característica 1, mas vamos em frente…). A transferência liquida para o mecânico será de R$ 224,98 mil, mas. para o servidor público. de R$ 1,275 milhão. Se for um servidor público de elite (Judiciário, MP, Defensoria, Tribunal de Conta ou Legislativo), então a transferência supera os R$ 3,66 milhões, podendo, em alguns casos, superar a casa do R$ 4,5 milhões.
  • Para dois trabalhadores igualmente pobres, aquele que nunca contribuiu para a Previdência ganhará mais do que se tiver contribuído.

    Para algumas categorias de trabalhadores, há regras diferentes. Em geral, as categorias que ganham mais têm regras mais benevolentes: por exemplo, além de se aposentarem mais cedo, ganham mais e, na contagem de tempo, têm “aceleradores”.

    Mulheres, apesar de viverem, em média, sete anos mais do que os homens podem se aposentar cinco anos mais cedo (isso antes da reforma “neoliberal” que reduziu a diferença para três anos).

    Alguns trabalhadores podem acumular vários benefícios. Desses, quase 85% estão entre os 10% com remunerações mais elevadas.
Poderia citar mais algumas características, mas seria por demasiado cansativo. Paro por aqui para poupar o leitor. Apenas mais uma informação sobre esse país: seu regime de Previdência funciona em repartição simples, ou seja, aqueles que hoje trabalham sustentam os benefícios de idosos e esperam que, no futuro, quando tiverem 60 anos ou mais, a geração jovem os sustente.

Mas já sabemos que, em futuro breve, não haverá juventude em número suficiente para sustentar os atuais ativos. A demografia mudou, as famílias têm poucos filhos e estamos vivendo mais. Assim, haverá muito idoso e pouco jovem.

Diante de um país/sistema de Previdência com essas características e com essa demografia, pergunto: alguém em sã consciência acha que esse sistema é bom? Esse sistema é justo? Esse sistema protege e defende os mais expostos da sociedade? Reformar esse sistema é algo ruim?

Vejamos. A reforma proposta praticamente não altera em nada a vida de quem recebe Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadoria rural ou se aposenta por idade.

Afeta aqueles que se aposentam por tempo de contribuição e funcionários públicos. Entre os primeiros, os mais afetados são aqueles que recebem os maiores benefícios, de R$ 3 mil, R$ 4 mil ou mesmo de R$ 5 mil.

Se não são ricos – e, em geral, não são – estão longe de ser pobres. Em geral, se aposentam com idades mais precoces e recebem benefício por longos períodos. São também os que mais acumulam benefícios.

Entre servidores públicos, o impacto da reforma é bem maior. Serão afetados pela redução da transferência líquida, pelo maior prazo de contribuição e pela redução do valor do benefício.

Em termos médios, a transferência líquida para esse grupo será diminuída em R$ 157 mil, mas será progressiva, ou seja, para os marajás esse impacto será bem maior. Para aposentadorias superiores a R$ 20 mil, a redução de transferência será superior a R$ 1 milhão de reais.

Assim, pergunto: reformar esse sistema, fazendo com que trabalhadores se aposentem com a mesma idade, reduzindo as transferências a todos, mas sobretudo aos mais ricos, limitando a acumulação de benefícios (algo que, como já mostrei, beneficia as camadas mais abastadas da sociedade) e fazendo severo corte em privilégios dos servidores públicos é atentar contra princípios fundamentais de igualdade e de justiça? É algo que vai na direção contrária ao do povo trabalhador? Não creio.

Somente o desconhecimento do tema pode levar alguns a serem contra. Fora isso, ou são interesses corporativos, ou simplesmente desonestidade intelectual, moral e de princípios. Alguns poderão dizer que é apenas “luta política”. Mas, nesse caso, a “luta política’ vai contra a grande maioria do povo pobre desse país.

Para esses, a desonestidade é tamanha que, em vez de claramente defender privilégios e iniquidades – o que, aliás, podem legitimamente fazer –, escamoteiam suas verdadeiras bandeiras e bradam apenas: “É uma reforma neoliberal”, querendo dizer com isso que é uma reforma que prejudica os trabalhadores mais pobres.

São ardilosos. Defendem os privilégios e as injustiças, mas se vendem como defensores dos pobres. Mas o slogan é chamativo: reforma “neoliberal”.

Eis a terceira bobagem que prosperou durante certo tempo.
Por: Paulo Tafner - Especialista em previdência, economista, doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe.
Post: G. Gomes
Home: www.deljipa.blogspot.com.br

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