Há 33 anos, o jurista Ives Gandra da Silva Martins forma generais na Escola do Comando e Estado Maior do Exército. Ele é professor emérito de Direito Constitucional na instituição. Suas teses foram apropriadas pela militância bolsonarista e pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em uma tentativa de conferir algum arcabouço teórico a propostas manifestamente inconstitucionais.
Os escritos do jurista sobre o artigo 142 da Constituição, que regulamenta a atuação das Forças Armadas, caíram nas graças dos bolsonaristas. O dispositivo passou a ser visto por apoiadores do ex-presidente como a grande brecha jurídica para justificar uma intervenção militar contra o Poder Judiciário.
Os escritos do jurista sobre o artigo 142 da Constituição, que regulamenta a atuação das Forças Armadas, caíram nas graças dos bolsonaristas. O dispositivo passou a ser visto por apoiadores do ex-presidente como a grande brecha jurídica para justificar uma intervenção militar contra o Poder Judiciário.
Não é de hoje que Gandra vem alertando para ‘distorções’ em suas interpretações. O nome dele voltou a ser associado a pautas antidemocráticas depois que a Polícia Federal descobriu uma trama golpista envolvendo o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e outros oficiais.
A PF encontrou, no celular de Mauro Cid, um questionário respondido por Ives Granda em 2017 sobre a ‘garantia dos poderes constitucionais’. As respostas foram enviadas a pedido do major Fabiano da Silva Carvalho, que se apresentou como aluno do segundo ano do Curso de Comando e Estado Maior do Exército.
Além do questionário, havia um documento que se propunha a resumir as ideias de Mauro Cid. “Diante de situações de invasão de um Poder sobre as atribuições de outro, a Constituição Federal permite que as Forças Armadas atuem pontualmente para restabelecer a harmonia constitucional”, diz o que é apontado como a ‘síntese’ do argumento do jurista. Logo na sequência, vinha uma ‘sugestão de roteiro’, em três passos, para as Forças Armadas agirem como ‘Poder Moderador’.
À reportagem do Estadão, Gandra informou que as respostas foram dadas há seis anos, têm ‘caráter estritamente constitucional’ e não ‘inspiram, influenciam ou instrumentalizam a realização de um golpe de Estado’.
“A minha interpretação do 142 sempre foi extremamente deturpada. É um dispositivo não para romper, mas para garantir a ordem democrática”, afirma. “Se outros interpretaram incorretamente o que eu disse e escrevi, o que eu posso fazer?”
ESTADÃO: O Sr. respondeu a algum questionário de teor golpista?
Ives Gandra: Responder um questionário sobre golpe de estado? Jamais. Na prática, o que eu posso dizer é o seguinte: eu me responsabilizo pelo que eu escrevi. Certamente não há nada escrito meu e certamente não há conversa sobre isso. Como meu nome apareceu lá? Foi alguém terceiro que levou essa informação? As minhas aulas foram antes da eleição.
ESTADÃO: Houve uma distorção da tese do Sr. sobre o artigo 142?
Ives Gandra: Quando eu vi essa tempestade, eu disse: primeiro, não é minha interpretação. A minha interpretação do 142 sempre foi extremamente deturpada. É um dispositivo não para romper, mas para garantir a ordem democrática. De repente, o artigo 142 passou como se fosse desconstituição de poder, golpe. Se outros interpretaram incorretamente o que eu disse e escrevi, o que eu posso fazer? Quando havia essas manifestações, estavam acreditando que as eleições tinham sido fraudadas. Não houve prova nenhuma de fraude. Os próprios militares acompanharam, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral, as eleições.
ESTADÃO: Havia margem para um golpe após a derrota de Bolsonaro?
Ives Gandra: O fato de ter um texto, absolutamente tresloucado, de estado de sítio, esse que foi publicado, só poderia ter validade se o Congresso apoiasse por maioria absoluta. Não haveria a menor chance disso.
ESTADÃO: O Sr. enfatiza que não vê risco das Forças Armadas endossarem uma ruptura institucional, mas diálogos recuperados pela PF mostram uma trama golpista envolvendo oficiais. É uma corrente minoritária?
Ives Gandra: O curso na Escola do Comando e Estado Maior do Exército foi criado em 1989 e eu passei a lecionar em 1990. Eu conheço a mentalidade deles. Quando o pessoal se unia em frente aos quartéis, eu dizia: é uma bobagem. Não há o menor risco de golpe. Eles (militares) não vão tomar nenhuma medida contra, mas não vão tomar nenhuma medida para romper as instituições, porque são escravos da Constituição. Risco zero, multiplicado por zero, dividido por zero. Eu não tenho dúvida de que pode haver um ou outro cidadão. Mas as minhas aulas são sobre Direito Constitucional. Aqueles coronéis, que vão ser generais, têm essa visão perfeita. Criaram um curso para que as Forças Armadas representassem exclusivamente o que está na Constituição: respeito absoluto ao que está na Constituição. É a mentalidade que predomina em todo o generalato.
ESTADÃO: E por que não a inércia diante de manifestações golpistas organizadas após o segundo turno em frente aos quartéis?
Ives Gandra: O que havia era um respeito das Forças Armadas à manifestação popular, já que era apenas manifestação de boca, não era manifestação com arma. Os militares sempre entenderam que respeitariam os resultados das eleições.
Post: G. Gomes
Home: www.deljipa.blogspot.com
Informações: Estadão
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